Perdoar como Jesus

A liberação graciosa e incondicional do perdão é uma prova inequívoca de que somos libertos. Somente os verdadeiramente libertos podem ser agentes autênticos e eficazes de libertação.

Nós damos tanto valor à formalidade do perdão que, sutilmente, criamos uma lei em que o ofensor deve expressar seu pedido de perdão com a maior clareza possível para que o ofendido sinta-se comovido a perdoar. Mas isso pode facilmente descambar para uma atitude velada de vingança, desejando-se  humilhação do ofensor, como uma penitência prévia que o torne merecedor do perdão, e o reconhecimento da bondade de quem está perdoando. Há ainda o risco de tudo não passar de um jogo de cena farisaico e de interesses das partes, sem um verdadeiro arrependimento do ofensor ou um verdadeiro perdão do ofendido.

Jesus não esperava o pedido formal de perdão. Perdoava como valorização da atitude que sabia estar nos corações sem impor qualquer humilhação. Com essa iniciativa, ele demonstrava o verdadeiro valor da graça. Foi assim que procedeu para com aquela que lhe apresentaram como adúltera, com o aleijado descido pelo telhado e até mesmo com os algozes que o pregaram na cruz. Entendia que não necessitavam de mais humilhação do que o próprio pecado já lhes impusera; precisavam agora de libertação. A mesma lição pode ser vista no pai do filho pródigo que não impôs condição alguma para recebê-lo de volta.

Nossa dívida para com Deus é eternamente impagável por causa do que Ele nos agraciou por meio de Jesus. Tamanha é essa dívida que não permite esperar qualquer espécie de pagamento ou retribuição. Contudo, Deus tem expectativas a nosso respeito, especialmente quanto ao perdão, a ponto de condicioná- lo à expressão “assim como”. Para não cairmos novamente na tentativa de oferecer uma troca ou pagamento a Deus, precisamos entender que é uma condicionalidade vinculada à graça. Assim como recebemos, devemos dar sem preço e sem condições.

A expressão “assim como” não deve ser entendida no sentido comparativo, como se alguém pudesse ser tão bom quanto Deus e, de si mesmo, emanar o perdão ao outro. Pelo contrário, “assim como” referese, antes de tudo, à origem e à natureza do perdão. Ou seja, o perdão incondicional que recebemos de Deus tem sua origem e natureza no próprio Deus, e é esse mesmo que deve ser oferecido ao ofensor.

Em outras palavras, não nos cabe julgar se o ofensor merece o perdão; aliás, se fosse merecedor, nem seria necessário perdoar- lhe, pois o perdão só cabe a quem não o merece. Quem faz por merecer, recebe o que lhe é devido, e isso não é perdão, é retribuição. Portanto, nosso coração não pode ser contaminado com qualquer retenção de perdão à espera de solicitação formal do ofensor.

A expectativa de Deus quanto à nossa atitude de perdoar é tão intensa que, após nos tornarmos conscientes de que fomos perdoados incondicionalmente, Ele deseja que, por livre e espontânea vontade, ofereçamos a mesma graça imerecida àqueles que nos devem. Mais do que isso, Ele condiciona nosso recebimento desse perdão ao que ofereceremos daquele momento em diante. É isso que encontramos no texto conhecido como o “Pai Nosso”: “Perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós temos perdoado aos nossos devedores.” (Mt 6.12.) É também o que aprendemos na parábola do servo incompassivo (Mt 18.23-35).

Estêvão demonstrou exatamente essa relação ao fazer sua última oração enquanto sofria apedrejamento: “E apedrejaram a Estêvão que invocava e dizia: Senhor Jesus, recebe o meu espírito! Então, ajoelhando-se, clamou em alta voz: Senhor, não lhes imputes este pecado. Com estas palavras adormeceu.” (At 7.59-60.) Estêvão estava seguindo o modelo de Jesus: “E dizia Jesus: Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem. [...] E, clamando Jesus com grande voz, disse: Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito. E, havendo dito isto, expirou.” (Lc 23.34,46.) A atitude de Estêvão, com certeza, foi determinante na conversão de Saulo.

A liberação graciosa e incondicional do perdão é uma prova inequívoca de que somos libertos. Somente os verdadeiramente libertos podem ser agentes autênticos e eficazes de libertação. É um ato de misericórdia que excede a justiça por maior que ela seja.

Nos dias de seu ministério na Terra, Jesus recebia assim as pessoas porque sabia que o Pai as tinha enviado (Jo 6.44). Nos dias de hoje, o Pai continua enviando-as a Jesus; entretanto, a única maneira de Jesus recebê- las é por nosso intermédio. Como sabemos que Jesus não mudou, daremos um testemunho mais autêntico da graça de Deus à medida que praticarmos o perdão com a mesma atitude de Jesus. Essa demonstração viva alcançará o pecador com muito mais eficiência do que as elaboradas pregações e os megaprojetos evangelísticos em curso naquilo que chamamos de “obra do Senhor”.

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